quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

VOLUNTÁRIO JORGE JONES

QUANDO A GUERRA CIVIL AMERICANA ENCONTROU A REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA

A Guerra Civil Americana



Foi um grande conflito armado, travado nos Estados Unidos da América, entre os anos de 1861 e 1865. De um lado o Norte formado por estados leais ao presidente Abraham Lincoln e do outro o Sul, ou Confederação, formado por estados denominados “rebeldes” que haviam se separado dos EUA e criado uma nova nação sob o comando de Jefferson Davis.

O Norte moderno, essencialmente urbano, detentor de 95% da capacidade industrial do país e de uma grande e moderna malha ferroviária venceu o Sul. Os Estados Confederados do Sul lutaram bravamente defendendo seu território invadido pelo “Yankees” e chegaram próximo da vitória em alguns momentos. Mas a economia agroexportadora - centrada no cultivo do algodão –, escravocrata, rural e pouco industrializada não resistiu. Um bloqueio naval foi feito pela Marinha de Guerra do Norte na costa sul americana, impedindo que o Sul importasse armas e suprimentos da Europa. Este mesmo bloqueio impedia também o Sul de continuar exportando seu algodão ao Velho Continente. O apoio militar francês e inglês, com o qual contavam os Confederados, não veio ficando assim selada a derrota sulista na guerra. Em abril de 1865 os generais confederados Robert Lee e Joseph Jonston assinaram a rendição do Sul.

O conflito deixou mais de 600 mil mortos. Foi a mais sangrenta guerra na qual se envolveu os EUA em toda a sua história.  Os estados que integraram a Confederação estavam destruídos.

Com o fim da guerra tem início a Reconstrução Americana que previa a reconstrução do Sul sob a liderança do vitorioso Norte. Os estados rebeldes foram gradualmente reintroduzidos na União. Escravos libertos com a derrota do sul ganharam direito a voto e conquistaram outros direitos antes exclusivos dos brancos. O território sulista foi militarmente invadido, civis do Norte vieram para ocupar importantes cargos públicos no Sul. Líderes confederados foram presos, outros perseguidos e muitos tiveram suas terras confiscadas. Havia muita pobreza nos antigos orgulhosos estados integrantes da Confederação. Era o fim da “Dixie Land”.


A Migração Confederada para o Brasil

Com o intuito de escapar dos horrores da derrota e da Reconstrução Americana, centenas de famílias sulistas migraram para o Brasil. As terras férteis e baratas nas quais ainda se podia ter escravos “encheram os olhos” de alguns milhares de confederados ávidos por refazerem suas vidas.  A única migração reversa da história americana trouxe ao Brasil aproximadamente 20 mil confederados entre 1865 e os primeiros anos do século XX. O Imperador Dom Pedro II foi o grande incentivador da migração dos americanos os quais, acreditava ele, poderiam melhorar as técnicas agrícolas em uso no país, sobretudo na produção do algodão.

Os americanos apresentaram aos brasileiros o arado de metal puxado por mulas, o descaroçamento automatizado do algodão, o lampião de querosene, a máquina de costura, inúmeras ferramentas e técnicas agrícolas bem como novas práticas médicas, odontológicas e de educação básica. Até mesmo a melancia da Georgia, hoje um dos produtos agrícolas mais famosos do Brasil, foi introduzida no país por esses imigrantes (um deles trouxe um punhado de sementes no bolso).

Vila Americana


Em 1886, o Coronel William Hutchinson Norris  (ex-combatente Confederado e ex-senador pelo Alabama) fundou na região de Santa Barbara D’Oeste a primeira colônia americana no interior de São Paulo. Em 1875 foi inaugurada a Estação Ferroviária de Santa Bárbara que daria forte impulso às atividades agrícolas na região, consolidando aquela como a mais importante e próspera colônia confederada no Brasil. Ao redor daquela estação se fixou um povoado que ficou conhecido como Vila Americana e que deu origem a atual cidade de Americana/SP. Essa cidade é hoje é um grande polo industrial têxtil que teve seu início com o algodão produzido pelos imigrantes americanos.


O Voluntário Jorge Jones



Com o início da Revolução Constitucionalista, em 9 de julho de 1932, milhares de jovens, de todas as partes do Estado de São Paulo correram aos postos de alistamento. Contra a Ditadura Vargas, todos queriam contribuir para o esforço cívico paulista em busca da reconstitucionalização do país. De Vila Americana partiu Jorge Jones.

Jorge era bisneto do Coronel William Norris e neto de Robert Norris, filho do Coronel,  que participara de 37 batalhas da Guerra Civil sendo inclusive ferido em combate. Jorge era filho de Cícero Jones, médico e um dos precursores da indústria têxtil de Americana que se casou, em segundas núpcias, com a filha de Robert, Martha.

Em 1902, quando Cicero e Martha estavam vivendo em Piracicaba, nasceu Jorge. A família era ainda composta por mais 8 irmãos: Robert, Yancey, Carol, Carlos, James, Franklin, Mary e Pattie.

Durante a Revolução, Jorge Jones foi incorporado ao Batalhão Patriótico 23 de Maio e serviu como ordenança do tenente Manoel dos Santos Sobrinho. Jorge, o tenente e o voluntário Aristeu Valente faziam uma patrulha, em 18 de agosto de 1932, na estada que ligava as cidades de Socorro a Lindóia (região de Monte Sião). Ao se depararem com os inimigos, que estavam em maior número, resistiram heroicamente até tombarem, os três, com seus corpos crivados de balas.

Tenente Manoel dos Santos Sobrinho

O Coronel Herculano de Carvalho fez triste referência a esse incidente em seu livro “A Revolução Constitucionalista” de 1934, à página 182:

“Todavia não fora completa a vitória: antes, enlutara-a a perda de três bravos – o tenente Sobrinho e os voluntários Aristeu Valente e Jorge Jones, sobre cujos cadáveres tripudiaram alguns desalmados”
Nº 859 – Do Comandante João Dias (Mogi-Mirim), ao Comandante Alfieri (S. Paulo) – Transmito-vos telegrama acabo de receber major Castro: “Levanto perante povos civilizados veemente protesto pelo saque infame levado a efeito por soldados da ditadura nos cadáveres do tenente Sobrinho, dos voluntários Aristeu Valente e Jorge Jones, mortos no combate de Monte Sião, e nas paupérrimas habitações que tiveram a desventura de ficar na zona de combate. Saudações. Mogi-Mirim, 20-8-932”




Os restos mortais do voluntário Jorge Jones foram enterrados no próprio campo de batalha e alguns anos depois transladados para o Cemitério da Saudade de Americana.







Bibliografia

EISENBERG, Peter Louis. Guerra Civil Americana. São Paulo,Brasiliense, 1999;

NEELEMAN, Gary. NEELEMAN, Rose. A Migração Confederada ao Brasil: Estrelas e Barras sob o Cruzeiro do Sul. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2016;

SILVA, Herculano de Carvalho. A Revolução Constitucionalista. São Paulo, Civilização Brasileira, 1934;

MONTENEGRO, Benedito. Cruzes Paulistas: Os que Tombaram, em 1932, pela Glória de Servir São Paulo..São Paulo: Empreza Graphica da Revista dos Tribunaes, 1936

Créditos das fotos

Coronel Willian Hutchiinson Norris e Voluntário Jorge Jones: Fraternidade Descendência Americana (https://www.facebook.com/fdasbo/)


Vila Americana e Cícero Jones: Coleção de Judith Jones em A Migração Confederada ao Brasil: Estrelas e Barras sob o Cruzeiro do Sul páginas 324 e 114, respectivamente.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

SANTO AMARO NA REVOLUÇÃO DE 32: A BATALHA DE CANANÉIA

Cananéia nos dias atuais

No final de agosto de 1932, os soldados santamarenses ocupavam o Estado do Paraná após importante vitória conseguida em Xiririca (hoje Eldorado/SP). A localidade de Porto da Linha, na época um importante centro rádio-telegráfico e hoje um bairro de Guaraqueçaba/PR, foi, durante 15 dias, ocupada pelos soldados de Santo Amaro. Ante a superioridade numérica do adversário, foi determinado recuo para São Paulo, mais precisamente para Colônia Santa Maria, localidade a oeste do município de Cananéia. Para reforçar o contingente que se retraía, mais soldados da Companhia Isolada do Exército de Santo Amaro – CIESA, voluntários de Iguape e de Cananéia e ainda soldados da Força Pública (9º BCP) foram deslocados de Registro para o novo teatro de operações a fim de conter os soldados ditatoriais que invadiam São Paulo por sua divisa sul-litorânea.  A tropa, comandada pelo 1º sargento da CIESA Sebastião Rodrigues de Campos, chegou à Colônia em 05/09/1932 após serem transportados em barcos pelo Rio Ribeira e pelo Mar Pequeno.

Soldados transportados pelo Rio Ribeira no vapor "Rio Una"

Os combates em Colônia Santa Maria: Ás margens do Mar Pequeno e a 60 km de Cananéia ficava essa colônia de imigrantes alemães e austríacos que em 1932 era habitada por 38 famílias que se dedicavam à rizicultura. Para essa localidade, hoje parte do Parque Estadual Lagamar, partiram os soldados paulistas a fim de dar combate às tropas ditatoriais comandadas pelo tenente Pedro Tromwposki. Em 09/09/1932 iniciou-se intenso combate no qual os paulistas, em inferioridade numérica, derrotaram os soldados ditatoriais que no combate perderam oito homens, tiveram diversos feridos, deixaram três prisioneiros, entre eles um oficial. Durante a fuga, deixaram os inimigos no campo de luta mais de 5.000 cartuchos de munição, 3 fuzis-metralhadoras, 15 fuzis, 16 barracas, cobertores e víveres. As forças constitucionalistas tiveram apenas 3 feridos levemente que foram socorridos à Santa Casa de Cananéia. Os combates em Colônia Santa Maria prosseguiram até 17/09. Mais uma vez, ante a superioridade numérica do inimigo, os soldados paulistas tiveram que abandonar a localidade retirando-se em barcos para a cidade de Cananéia onde aportaram em 18/09.

Parque Estadual Lagamar - Cananéia/SP

A defesa da cidade: Naquele mesmo dia um pelotão da CIESA, comandado pelo tenente Lobo chega também à cidade para reforçar a tropa do sargento Campos. O novo contingente, devidamente municiado, toma posição na localidade denominada Mandira, um antigo quilombo na estrada que liga o distrito de Itapitingui, ao norte de Cananéia, à Colônia Santa Maria, àquela altura já ocupada pelos ditatoriais. Ainda na organização da defesa da cidade outros dois grupamentos são posicionados nos distritos de Cubatão (de onde partiam os barcos do continente para a Ilha de Cananéia) e de Morretes no braço de mar que vai ao distante bairro de Ariri, limítrofe à localidade de Ararapira/PR.

Ararapira/PR - década de 20

No dia 20, procedente do sul, ancorou, na Ilha do Bom Abrigo, um destróier da Marinha que trazia a reboque uma lancha que no dia 21 tentou atacar a cidade. O ataque foi rechaçado pela guarnição que defendia Cananéia. No dia seguinte, temendo-se novos ataques por mar a partir do destróier, ordenou-se a evacuação da guarnição da cidade de Cananéia para o distrito de Cubatão. Em 23 de setembro Cananéia foi ocupada pelo inimigo.

Ilha do Bom Abrigo
Eis que, descumprindo ordens superiores, um grupo de trinta soldados santamarenses decide retomar a cidade. E assim o fazem após renhido combate no qual foram feitos 16 prisioneiros (inclusive 1 oficial) do exercito inimigo. Permanecem na defesa da cidade retomada apenas 5 homens armados de fuzis e uma metralhadora pesada. A 26 de setembro essa pequena guarnição evita nova invasão da cidade pelo inimigo em barcos que, acreditando estar a cidade abandonada, entregam suas armas. Foram feitos 80 prisioneiros, entre eles oficiais e médicos. Foram apreendidos ainda 80 mil cartuchos de munição, 5 metralhadoras e material cirúrgico suficiente para a montagem de um hospital de campanha. Esse foi, sem dúvida, um dos mais brilhantes feitos da Companhia Isolada do Exército de Santo Amaro e de toda a Revolução Constitucionalista!

O guarnição da cidade é novamente reforçado e no dia seguinte é duramente atacado por um contingente inimigo cinquenta vezes maior. O comandante da tropa inimiga exige que o comandante da CIESA se renda com seus homens. Este convida o comandante inimigo a vir buscar as armas de seus soldados...

Cananéia permaneceu em mãos paulistas até o fim da Revolução, em 2 de outubro de 1932.

O teatro de operações da Batalha de Cananéia em 1932


Referências

Caldeira, João Netto. “Álbum de Santo Amaro: A História dos Santamarenses”. Ed. Bentivenga e Netto, 1935

Jornal Folha da Manhã de 17 e 24 de setembro de 1932 (www.acervo.folha.uol.br)

Acessos em 16/11/2016

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

AS PERNEIRAS DOS SOLDADOS DE SANTO AMARO

Réplicas de perneiras usadas na Revolução de 32


“Passamos um dia inteiro junto à Companhia Isolada de Santo Amaro. Tivemos ocasião, assim, de observar o levantado estado de ânimo dos soldados constitucionalistas e observar alguns episódios interessantes.


Primeiro uma esperteza. O oficial intendente perguntou aos soldados se precisavam de perneiras. Quase toda a Companhia se apresentou. E o intendente, que sabia não ser verdade, resolveu tirar a prova real. Para isso lançou mão de um expediente. E aí é que se viu o exemplo de bravura de toda a tropa. Deixando passar algum tempo fez a companhia formar. Um oficial anunciou a necessidade de avançar para localidades vizinhas, notificando os soldados, porém, que só iriam se tivessem perneiras. Operou-se então o milagre. Todos se apresentaram completamente fardados e equipados para seguir. As perneiras apareceram!”

Fardamento original de 32 com perneiras

BIBLIOGRAFIA

“Cruzes Paulistas: Os que Tombaram, em 1932, pela Glória de Servir São Paulo”.São Paulo: Empreza Graphica da “Revista dos Tribunaes”, 1936, p. 386.

Foto 1: Arquivo pessoal
Foto 2: Acervo do Centro de Estudos José Celestino Bouroul - IHGSP

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

VOLUNTÁRIO ANTÔNIO DE CAMPOS COLLAÇO



O livro “Cruzes Paulistas”, editado em 1936, traz pequenas biografias dos 634 mortos paulistas na Revolução Constitucionalista de 1932. Esses são apenas os mortos “oficiais” de São Paulo, já que o número total de baixas paulistas em 1932 deve se aproximar pelo menos ao dobro do número oficialmente divulgado.



Nem todos os mortos de “Cruzes Paulistas” morreram em combate. Alguns vieram a falecer apenas depois da guerra em consequência de ferimentos ou de moléstias contraídas durante a campanha. Foi o caso do voluntário Antônio de Campos Colaço cuja biografia consta na página 80 deste que é um dos mais importantes livros já editados no Brasil:

“Incorporado à Companhia Isolada de Santo Amaro, sob o número 136, Antônio lutou com ela nos diversos combates travados no litoral paulista. Trouxe, porém, das trincheiras, moléstia insidiosa que um ano mais tarde o mataria, em Jaçanã, onde fora hospitalizado em virtude de sua doença. Foi um soldado digno da farda que o cobria, e do ideal pelo qual lutava. Morreu a 31 de agosto de 1934. Está sepultado no Cemitério São Paulo, nesta Capital.


Dados Biográficos: Filho do Sr. Antônio Ribeiro Collaço e de d. Áurea de Campos Collaço, nascera Antônio em Cananéia a 16 de março de 1907. Solteiro, trabalhava no comércio em São Paulo. Deixou os seguintes irmãos: Manoel, João, Laudiciana, Olga, Wanda e Carlos de Campos Collaço.”

Na década de 60, seus restos mortais foram transladados do Cemitério São Paulo para o Monumento Mausoléu ao Soldado Constitucionalista do Ibirapuera, onde repousam até hoje.


BIBLIOGRAFIA

“Cruzes Paulistas: Os que Tombaram, em 1932, pela Glória de Servir São Paulo”.São Paulo: Empreza Graphica da “Revista dos Tribunaes”, 1936.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

GOFFREDO TEIXEIRA DA SILVA TELLES: O PREFEITO DE SÃO PAULO DURANTE A REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932




Goffredo Teixeira da Silva Telles nasceu no Rio de Janeiro em 17 de abril de 1888, filho de Carlos Augusto da Silva Telles, que foi professor catedrático da Escola Politécnica de São Paulo, e de Eugênia Leite Teixeira da Silva Telles. Bacharelou-se em 1910 pela Faculdade de Direito de São Paulo (Largo São Francisco). Ainda estudante, fez parte da Comissão Acadêmica que foi oficialmente à França para retribuir a visita de uma delegação de estudantes franceses a nossas escolas. Nessa ocasião, proferiu várias conferências, em Paris, tendo falado no “Amphitheatre Richelieu” da Sorbonne sobre o tema “La literature brésillene.

Foi casado com Carolina Penteado da Silva Telles, filha de Olívia Guedes Penteado. Foi pai do jurista e professor da Faculdade de Direito da USP Goffredo da Silva Telles Júnior.

Quando da eclosão da Revolução de 1930, ocupava o cargo de Vereador Municipal de São Paulo do qual foi afastado por determinação do Governo Provisório.

Foi o 17º prefeito da Cidade de São Paulo, entre 24 de maio e 2 outubro de 1932, nomeado para o cargo pelo então Interventor no Estado de São Paulo, Pedro de Toledo.

Pedro de Toledo

Ocupou ainda, entre outros, os seguintes cargos: presidente do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo; assessor técnico da Corte Internacional de Justiça de Haia; presidente da Sociedade Amigos da Cidade (por três mandatos); membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo; conselheiro e ex-presidente do Liceu de Artes e Ofícios; conselheiro da Cruzada Pró-Infância; membro e ex-presidente da Academia Paulista de Letras, etc.

Foi também fazendeiro, proprietário, desde 1913, da tradicional Fazenda Santo Antônio, localizada no município de Araras/SP.


Faleceu em São Paulo, no dia 30 de julho de 1980 aos 92 anos.


Referências

Jornal  Folha de São Paulo de 1º de setembro de 1980
http://www.goffredotellesjr.adv.br/

Wikipedia

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

A PENSÃO ESPECIAL DOS VETERANOS DA REVOLUÇÃO DE 1932



O primeiro normativo a tratar de benefícios a serem concedidos aos participantes da Revolução de 1932 foi o artigo 30 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Estadual de 1947. Este artigo previa alguns direitos aos veteranos, mediante a edição de lei regulamentadora, como preferência em concursos públicos, estabilidade, promoções , isenções de impostos, subvenções estatais às associações de veteranos, etc.

A Lei Estadual 211/1948 regulamentou algumas das vantagens criadas no art. 30 do ADCT da CE/1947. O art. 1º da Lei 211 definiu quem seriam os veteranos aptos a se beneficiarem dos direitos criados pela CE/1947, in verbis:

Artigo 1.º - Por participantes ativos da Revolução Constitucionalista de 1932 devem entender-se:
- os voluntários enquadrados em quaisquer unidades ou serviços de guerra criados na vigência do Movimento
II - os soldados, inferiores e oficiais que compunham   unidades do Exercito, da Fôrça Pública e da Guarda Civil e que, então, foram mobilizados e prestaram serviços determinados pelos respectivos comandos;
III - os civis que prestaram Serviços de retaguarda, tais como de instrução, mobilização e abastecimento de tropas em operações; de propaganda ou direção do movimento revolucionário; de policiamento de cidades e outros serviços a cargo de organizações então fundadas. 
Parágrafo único - Essa participação deverá ser satisfatoriamente comprovada e não será reconhecida quando tenha havido capitulação propositada, deserção, condenado por crime praticado, adesão ao inimigo, ou recusa de prestar serviços durante a incorporação, ou ainda, quando durante ou depois dela haja o interessado praticado atos, ou tornado atitudes incompatíveis com a sua adesão ao Movimento. 

A primeira pensão paga a veteranos da Revolução de 32 veio apenas em 1952. Era exclusiva para aqueles civis que, durante o movimento revolucionário e em decorrência deste, haviam ficado mutilados (Lei Estadual 1680/1952). Os beneficiários eram um grupo pequeno e durante décadas receberam como pensão o soldo de 3º sargento da Força Pública. Tratava-se de benefício assistencial intransferível ao cônjuge sobrevivente ou a outros dependentes. Em 1986 (Lei Estadual 5.417), já quase sem beneficiários, teve seu valor unificado à pensão especial criada na década anterior.

Em 18 de dezembro de 1978 foi promulgada pelo governador Paulo Egydio Martins a Lei Estadual 1.890 que autorizava o Poder Executivo a conceder pensão especial mensal, vitalícia e intransferível a participantes civis da Revolução Constitucionalista de 1932, nos termos dos incisos I e III do artigo 1º da Lei 211/1948 supra transcrito.

Um mês depois, em janeiro de 1979, a Lei 1.890/78 foi regulamentada pelo Decreto Estadual 13.146:
Artigo 1.º - Na aplicação da Lei n. 1.890, de 18 de dezembro de 1978 que autoriza o Poder Executivo a conceder pensão mensal, vitalícia e intransferível , a participantes civis da Revolução Constitucionalista de 1932, observar-se-ão as normas estabelecidas neste decreto

Artigo 2 º - Entendem-se por participantes civis da Revolução Constitucionalista de 1932, nos termos dos incisos I e III do Artigo 1.º da Lei n. 211, de 7 de dezembro de 1948:
I - os voluntários enquadrados em quaisquer unidades ou serviços de guerra criados na vigência do Movimento;
II - os Civis que prestaram serviços de retaguarda, tais como instrução, mobilização e abastecimento de tropas em operações de propaganda ou direção do movimento revolucionário de policiamento de cidades e outros serviços a cargo de organizações então fundadas

Parágrafo único
 - Não fazem jus à pensão os participantes da Revolução Constitucionalista que, a qualquer título, venham percebendo pensão do Estado e os que se enquadrem nas hipóteses a que se refere o parágrafo único do Artigo 1.º da Lei n. 211, de 7 de dezembro de 1948.

Artigo 3.º - Os interessados solicitarão o benefício da Lei n. 1.890, de 18 de dezembro de 1978, em requerimento dirigido ao Governador e protocolado na Secretaria da Promoção Social, feita a prova de participação no Movimento Constitucionalista nos termos do Artigo 2.º deste decreto (grifos nossos).

Artigo 4.º
 - Caberá a Secretaria da Promoção Social proceder a instrução do respectivo processo mediante a verificação, em cada caso, do cabimento da concessão do benefício e a existência de obrigações legais de terceiros para com os beneficiários.

Parágrafo único - Concluída a instrução, será o processo submetido ao Governador com proposta fundamentada do Secretário da Promoção Social.

Artigo 5 º - A pensão terá vigência a partir da publicação do despacho de deferimento no órgão oficial.

Artigo 6 º - Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação.
Palácio dos Bandeirantes, 16 de janeiro de 1979.
PAULO EGYDIO MARTINS 

Começava aí verdadeira via crucis a ser percorrida pelos veteranos da Revolução Constitucionalista, àquela época, sexagenários e septuagenários em sua maioria.

Vejamos trecho de carta do veterano Francisco Geminiani publicada no jornal Folha de São Paulo em 24/04/1980:

“Eis que protocolei em 5 de março de 1979 (há mais de um ano) pedido nesse sentido, e até hoje não mereci aquele despacho, apesar de fartamente documentada minha participação na Revolução. Considerando minha idade, cerca de setenta anos, creio que se esse retardamento continuar, não mais me será possível receber aquela pensão, a qual propiciaria uma sensível melhora no meu padrão de vida, o mesmo ocorrendo com tantos outros que se encontram nas mesmas condições.”

Apenas em 6 de julho de 1979 (Decreto 13.670/79) é criada uma Comissão Especial a quem competia: fixar diretrizes para o cumprimento da Lei 1.890, processar os pedidos de pensão e apresentar relatório fundamentado propondo o deferimento ou o indeferimento do pedido de pensão.

A antiga sede da Sociedade Veteranos de 32 – MMDC, na Rua Anita Garibaldi, chegou a receber, durante o ano de 1979, mais de cem pessoas por dia buscando informações sobre como requerer o benefício.

Porém muitos não tinham como comprovar sua participação na Revolução. Para provar que participou da Revolução Constitucionalista o veterano podia apresentar um documento da época como jornais nos quais aparecesse seu nome, fotografias, antigos livros de registro de prefeituras, correspondências com familiares durante a campanha e até mesmo a citação de seu nome em livros sobre a Revolução de 32. Em último caso, o veterano podia ainda tentar provar a sua participação por meio de depoimentos de testemunhas idôneas. Contudo, depois de quase 50 anos, era difícil para muitos deles obterem essas provas e muitas vezes suas testemunhas “idôneas” já estavam mortas (seus comandantes militares, por exemplo). Dessa forma, milhares de veteranos não tiveram sequer como instruir seus pedido de pensão.

Os trabalhos da Comissão Especial davam-se de forma muito lenta. A fim de evitar fraudes e injustiças, as análises dos pedidos de pensão davam-se caso a caso.  Especulava-se que o Estado se demorava propositadamente em processar os pedidos de pensão enquanto iam falecendo os veteranos e assim diminuía sua despesa.

Segue abaixo trecho de carta enviada pelo veterano Gil Franco à Folha de São Paulo e publicada naquele periódico em 07/09/1980:

“Agora, aos 77 anos de idade, aguardo, sem esperanças, o célebre decreto do governador do Estado que manda pagar, aos que serviram São Paulo, pensão que será ordenada quando a maioria dos merecedores dela já estiverem mortos. Então uma medalha será entregue à família do morto-herói, como lembrança de sua luta pelo bem-estar do Brasil. Mas antes que eu morra, quero agradecer ao governador do Estado a cunhagem da medalha...”

A Comissão, que só foi formada depois de mais de 3 meses de sua criação, chegou a investigar a condição sócio-econômica do veterano e a indeferir, preliminarmente, a pensão aos veteranos de classe social mais elevada. Entretanto, nem a lei de criação da pensão, nem seu decreto regulamentador impunham, para a concessão do benefício, ser o veterano pobre. Uma série de ações judiciais foram propostas contra o Estado para compeli-lo ao pagamento do benefício segundo os exatos critérios estabelecidos na Lei 1.890/78 e no Decreto 13.146/79. 

Durante o desfile de 9 de julho de 1980, quando já mais de 12 mil pedidos de pensão aguardavam deferimento, os veteranos, após marcharem de fronte ao Obelisco no tradicional desfile, fizeram um protesto em frente ao palanque das autoridades pedindo agilidade na apreciação dos pedidos. O protesto, no qual não faltaram palavras de ordem contra o governador e pela celeridade na concessão das pensões, teve de ser contido pela polícia que retirou os veteranos do local (Folha de São Paulo de 10/09/1980).

Apenas em 25/05/1981 foram concluídos os 103 primeiros pedidos de pensão. Naquela data, com toda pompa e circunstância, em cerimônia no Palácio do Governo, o então governador Paulo Maluf promulgou o decreto que autorizava o pagamento da pensão aos 103 primeiros veteranos.

Em 1983 a Lei 1.890/78 foi alterada pela Lei 3.988, o que tornou possível a transferência da pensão à viúva do veterano:
Artigo 1º - O artigo 1º da Lei n. 1.890, de 18 de dezembro de 1978, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Artigo 1º - É Poder Executivo autorizado a conceder, nos termos desta lei, pensão mensal, vitalícia e intransferível, exceto à viuva do beneficiário, a participantes civis da Revolução Constitucionalista de 1932, nos termos dos incisos I e III do artigo 1º da Lei n. 211, de 7 de dezembro de 1948, de valor correspondente ao do padrão "1-A" da Tabela II, da escala de vencimentos do funcionalismo público civil do Estado"(grifo nosso) .

A vigente Constituição Estadual de 1989 inovou e passou a prever a transferência da pensão não só à viúva mas também à companheira e a outros dependentes do veterano falecido:
Artigo 57 - Aos participantes ativos da Revolução Constitucionalista de 1932 serão assegurados os seguintes direitos:

I - pensão especial, sendo inacumulável com quaisquer rendimentos recebidos dos cofres públicos, exceto os benefícios previdenciários, ressalvado o direito de opção;
II - em caso de morte, pensão à viúva, companheira ou dependente, na forma do inciso anterior (grifos nossos).

Parágrafo único - A concessão da pensão especial a que se refere o inciso I, substitui, para todos os efeitos legais, qualquer outra pensão já concedida aos ex-combatentes.

Ao longo das décadas de 80 e 90, mais de 15 mil pedidos de pensão especial da Revolução Constitucionalista de 1932 foram deferidos pelo Estado.

Hoje, aproximadamente 1.500 pensões especiais continuam ativas junto à Secretaria de Gestão Pública do Governo do Estado de São Paulo. Na sua imensa maioria, as beneficiárias são viúvas de veteranos. Há ainda algumas veteranas (serviços de retaguarda), alguns casos de filhas solteiras de veteranos falecidos até dezembro de 1992 (Lei Complementar 698/92) e de filhos (ambos os sexos) inválidos ou incapazes e que nessas condições já se encontravam quando do falecimento do veterano (Lei Complementar 180/1978, art. 147, III).

O último reajuste do valor da pensão especial ocorreu em setembro de 2012. A assombrosa quantia de R$ 720 premia hoje aqueles que há mais de 80 anos lutaram por democracia e liberdade sob o manto das treze listas.




REFERÊNCIAS

Jornal Folha de São Paulo – edições de 24/04/80, 10/07/80, 07/09/80, 26/05/81e 05/06/81 (http://acervo.folha.uol.com.br/);
Portal da Transparência do Estado e São Paulo (http://www.transparencia.sp.gov.br/)

Acessos em 31/08/2016  

terça-feira, 23 de agosto de 2016

DIÁRIO DE CAMPANHA DE CLINEU BRAGA DE MAGALHÃES



Foi disponibilizado on line, em 22 de agosto de 2016, edição memorativa do diário de combate do voluntário constitucionalista Clineu Braga de Magalhães. Este jovem paulista integrante do "Batalhão 14 de Julho" foi um dos mais de 20 mil jovens voluntários a pegar em armas por São Paulo contra a Ditadura Vargas em 1932. O jovem estudante de Engenharia Civil da Escola Politécnica de São Paulo morreu em combate, em 17 de setembro de 1932, nas proximidades da cidade de Capão Bonito/SP. Foi encontrado no bolso de sua farda em pequeno diário que vinha por ele sendo escrito desde o início da Revolução Constitucionalista. Este manuscrito foi publicado em 1960, ano em que sua turma da Poli completava 25 anos de formatura. 

Em 2016 seu diário é relançado em edição digital memorativa ficando a disposição do público na Internet. Trata-se de uma iniciativa da Sociedade Veteranos de 32 -MMDC por meio de seus núcleos de Itapetininga, Norte e Santo Amaro.

Vale a pena a leitura do pequeno diário de campanha do jovem paulista tombado em combate nas trincheiras da lei de 1932. Verdadeira aula de civismo e patriotismo, valores tão pouco praticados nos dias de hoje.

O livro encontra-se disponível para leitura, na plataforma ISSU no seguinte endereço:

Saudações Constitucionalistas!