quinta-feira, 1 de setembro de 2016

A PENSÃO ESPECIAL DOS VETERANOS DA REVOLUÇÃO DE 1932



O primeiro normativo a tratar de benefícios a serem concedidos aos participantes da Revolução de 1932 foi o artigo 30 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Estadual de 1947. Este artigo previa alguns direitos aos veteranos, mediante a edição de lei regulamentadora, como preferência em concursos públicos, estabilidade, promoções , isenções de impostos, subvenções estatais às associações de veteranos, etc.

A Lei Estadual 211/1948 regulamentou algumas das vantagens criadas no art. 30 do ADCT da CE/1947. O art. 1º da Lei 211 definiu quem seriam os veteranos aptos a se beneficiarem dos direitos criados pela CE/1947, in verbis:

Artigo 1.º - Por participantes ativos da Revolução Constitucionalista de 1932 devem entender-se:
- os voluntários enquadrados em quaisquer unidades ou serviços de guerra criados na vigência do Movimento
II - os soldados, inferiores e oficiais que compunham   unidades do Exercito, da Fôrça Pública e da Guarda Civil e que, então, foram mobilizados e prestaram serviços determinados pelos respectivos comandos;
III - os civis que prestaram Serviços de retaguarda, tais como de instrução, mobilização e abastecimento de tropas em operações; de propaganda ou direção do movimento revolucionário; de policiamento de cidades e outros serviços a cargo de organizações então fundadas. 
Parágrafo único - Essa participação deverá ser satisfatoriamente comprovada e não será reconhecida quando tenha havido capitulação propositada, deserção, condenado por crime praticado, adesão ao inimigo, ou recusa de prestar serviços durante a incorporação, ou ainda, quando durante ou depois dela haja o interessado praticado atos, ou tornado atitudes incompatíveis com a sua adesão ao Movimento. 

A primeira pensão paga a veteranos da Revolução de 32 veio apenas em 1952. Era exclusiva para aqueles civis que, durante o movimento revolucionário e em decorrência deste, haviam ficado mutilados (Lei Estadual 1680/1952). Os beneficiários eram um grupo pequeno e durante décadas receberam como pensão o soldo de 3º sargento da Força Pública. Tratava-se de benefício assistencial intransferível ao cônjuge sobrevivente ou a outros dependentes. Em 1986 (Lei Estadual 5.417), já quase sem beneficiários, teve seu valor unificado à pensão especial criada na década anterior.

Em 18 de dezembro de 1978 foi promulgada pelo governador Paulo Egydio Martins a Lei Estadual 1.890 que autorizava o Poder Executivo a conceder pensão especial mensal, vitalícia e intransferível a participantes civis da Revolução Constitucionalista de 1932, nos termos dos incisos I e III do artigo 1º da Lei 211/1948 supra transcrito.

Um mês depois, em janeiro de 1979, a Lei 1.890/78 foi regulamentada pelo Decreto Estadual 13.146:
Artigo 1.º - Na aplicação da Lei n. 1.890, de 18 de dezembro de 1978 que autoriza o Poder Executivo a conceder pensão mensal, vitalícia e intransferível , a participantes civis da Revolução Constitucionalista de 1932, observar-se-ão as normas estabelecidas neste decreto

Artigo 2 º - Entendem-se por participantes civis da Revolução Constitucionalista de 1932, nos termos dos incisos I e III do Artigo 1.º da Lei n. 211, de 7 de dezembro de 1948:
I - os voluntários enquadrados em quaisquer unidades ou serviços de guerra criados na vigência do Movimento;
II - os Civis que prestaram serviços de retaguarda, tais como instrução, mobilização e abastecimento de tropas em operações de propaganda ou direção do movimento revolucionário de policiamento de cidades e outros serviços a cargo de organizações então fundadas

Parágrafo único
 - Não fazem jus à pensão os participantes da Revolução Constitucionalista que, a qualquer título, venham percebendo pensão do Estado e os que se enquadrem nas hipóteses a que se refere o parágrafo único do Artigo 1.º da Lei n. 211, de 7 de dezembro de 1948.

Artigo 3.º - Os interessados solicitarão o benefício da Lei n. 1.890, de 18 de dezembro de 1978, em requerimento dirigido ao Governador e protocolado na Secretaria da Promoção Social, feita a prova de participação no Movimento Constitucionalista nos termos do Artigo 2.º deste decreto (grifos nossos).

Artigo 4.º
 - Caberá a Secretaria da Promoção Social proceder a instrução do respectivo processo mediante a verificação, em cada caso, do cabimento da concessão do benefício e a existência de obrigações legais de terceiros para com os beneficiários.

Parágrafo único - Concluída a instrução, será o processo submetido ao Governador com proposta fundamentada do Secretário da Promoção Social.

Artigo 5 º - A pensão terá vigência a partir da publicação do despacho de deferimento no órgão oficial.

Artigo 6 º - Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação.
Palácio dos Bandeirantes, 16 de janeiro de 1979.
PAULO EGYDIO MARTINS 

Começava aí verdadeira via crucis a ser percorrida pelos veteranos da Revolução Constitucionalista, àquela época, sexagenários e septuagenários em sua maioria.

Vejamos trecho de carta do veterano Francisco Geminiani publicada no jornal Folha de São Paulo em 24/04/1980:

“Eis que protocolei em 5 de março de 1979 (há mais de um ano) pedido nesse sentido, e até hoje não mereci aquele despacho, apesar de fartamente documentada minha participação na Revolução. Considerando minha idade, cerca de setenta anos, creio que se esse retardamento continuar, não mais me será possível receber aquela pensão, a qual propiciaria uma sensível melhora no meu padrão de vida, o mesmo ocorrendo com tantos outros que se encontram nas mesmas condições.”

Apenas em 6 de julho de 1979 (Decreto 13.670/79) é criada uma Comissão Especial a quem competia: fixar diretrizes para o cumprimento da Lei 1.890, processar os pedidos de pensão e apresentar relatório fundamentado propondo o deferimento ou o indeferimento do pedido de pensão.

A antiga sede da Sociedade Veteranos de 32 – MMDC, na Rua Anita Garibaldi, chegou a receber, durante o ano de 1979, mais de cem pessoas por dia buscando informações sobre como requerer o benefício.

Porém muitos não tinham como comprovar sua participação na Revolução. Para provar que participou da Revolução Constitucionalista o veterano podia apresentar um documento da época como jornais nos quais aparecesse seu nome, fotografias, antigos livros de registro de prefeituras, correspondências com familiares durante a campanha e até mesmo a citação de seu nome em livros sobre a Revolução de 32. Em último caso, o veterano podia ainda tentar provar a sua participação por meio de depoimentos de testemunhas idôneas. Contudo, depois de quase 50 anos, era difícil para muitos deles obterem essas provas e muitas vezes suas testemunhas “idôneas” já estavam mortas (seus comandantes militares, por exemplo). Dessa forma, milhares de veteranos não tiveram sequer como instruir seus pedido de pensão.

Os trabalhos da Comissão Especial davam-se de forma muito lenta. A fim de evitar fraudes e injustiças, as análises dos pedidos de pensão davam-se caso a caso.  Especulava-se que o Estado se demorava propositadamente em processar os pedidos de pensão enquanto iam falecendo os veteranos e assim diminuía sua despesa.

Segue abaixo trecho de carta enviada pelo veterano Gil Franco à Folha de São Paulo e publicada naquele periódico em 07/09/1980:

“Agora, aos 77 anos de idade, aguardo, sem esperanças, o célebre decreto do governador do Estado que manda pagar, aos que serviram São Paulo, pensão que será ordenada quando a maioria dos merecedores dela já estiverem mortos. Então uma medalha será entregue à família do morto-herói, como lembrança de sua luta pelo bem-estar do Brasil. Mas antes que eu morra, quero agradecer ao governador do Estado a cunhagem da medalha...”

A Comissão, que só foi formada depois de mais de 3 meses de sua criação, chegou a investigar a condição sócio-econômica do veterano e a indeferir, preliminarmente, a pensão aos veteranos de classe social mais elevada. Entretanto, nem a lei de criação da pensão, nem seu decreto regulamentador impunham, para a concessão do benefício, ser o veterano pobre. Uma série de ações judiciais foram propostas contra o Estado para compeli-lo ao pagamento do benefício segundo os exatos critérios estabelecidos na Lei 1.890/78 e no Decreto 13.146/79. 

Durante o desfile de 9 de julho de 1980, quando já mais de 12 mil pedidos de pensão aguardavam deferimento, os veteranos, após marcharem de fronte ao Obelisco no tradicional desfile, fizeram um protesto em frente ao palanque das autoridades pedindo agilidade na apreciação dos pedidos. O protesto, no qual não faltaram palavras de ordem contra o governador e pela celeridade na concessão das pensões, teve de ser contido pela polícia que retirou os veteranos do local (Folha de São Paulo de 10/09/1980).

Apenas em 25/05/1981 foram concluídos os 103 primeiros pedidos de pensão. Naquela data, com toda pompa e circunstância, em cerimônia no Palácio do Governo, o então governador Paulo Maluf promulgou o decreto que autorizava o pagamento da pensão aos 103 primeiros veteranos.

Em 1983 a Lei 1.890/78 foi alterada pela Lei 3.988, o que tornou possível a transferência da pensão à viúva do veterano:
Artigo 1º - O artigo 1º da Lei n. 1.890, de 18 de dezembro de 1978, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Artigo 1º - É Poder Executivo autorizado a conceder, nos termos desta lei, pensão mensal, vitalícia e intransferível, exceto à viuva do beneficiário, a participantes civis da Revolução Constitucionalista de 1932, nos termos dos incisos I e III do artigo 1º da Lei n. 211, de 7 de dezembro de 1948, de valor correspondente ao do padrão "1-A" da Tabela II, da escala de vencimentos do funcionalismo público civil do Estado"(grifo nosso) .

A vigente Constituição Estadual de 1989 inovou e passou a prever a transferência da pensão não só à viúva mas também à companheira e a outros dependentes do veterano falecido:
Artigo 57 - Aos participantes ativos da Revolução Constitucionalista de 1932 serão assegurados os seguintes direitos:

I - pensão especial, sendo inacumulável com quaisquer rendimentos recebidos dos cofres públicos, exceto os benefícios previdenciários, ressalvado o direito de opção;
II - em caso de morte, pensão à viúva, companheira ou dependente, na forma do inciso anterior (grifos nossos).

Parágrafo único - A concessão da pensão especial a que se refere o inciso I, substitui, para todos os efeitos legais, qualquer outra pensão já concedida aos ex-combatentes.

Ao longo das décadas de 80 e 90, mais de 15 mil pedidos de pensão especial da Revolução Constitucionalista de 1932 foram deferidos pelo Estado.

Hoje, aproximadamente 1.500 pensões especiais continuam ativas junto à Secretaria de Gestão Pública do Governo do Estado de São Paulo. Na sua imensa maioria, as beneficiárias são viúvas de veteranos. Há ainda algumas veteranas (serviços de retaguarda), alguns casos de filhas solteiras de veteranos falecidos até dezembro de 1992 (Lei Complementar 698/92) e de filhos (ambos os sexos) inválidos ou incapazes e que nessas condições já se encontravam quando do falecimento do veterano (Lei Complementar 180/1978, art. 147, III).

O último reajuste do valor da pensão especial ocorreu em setembro de 2012. A assombrosa quantia de R$ 720 premia hoje aqueles que há mais de 80 anos lutaram por democracia e liberdade sob o manto das treze listas.




REFERÊNCIAS

Jornal Folha de São Paulo – edições de 24/04/80, 10/07/80, 07/09/80, 26/05/81e 05/06/81 (http://acervo.folha.uol.com.br/);
Portal da Transparência do Estado e São Paulo (http://www.transparencia.sp.gov.br/)

Acessos em 31/08/2016  

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