segunda-feira, 10 de agosto de 2015

VISITA AO TÚNEL DA MANTIQUEIRA


“Eu estive no Túnel e vi o soldado lutando. E o soldado não me viu porque estava lutando. Estava integralmente lutando...” (Carlos Drummond de Andrade, 1932)




 No último dia 8 de agosto tive finalmente a oportunidade de conhecer o famoso túnel palco dos mais famosos combates da Revolução de 32.

Na companhia do professor e guia local Carlos Henrique do Nascimento caminhei por algumas horas pelas imediações do túnel entre os municípios de Cruzeiro (SP) e Passa Quatro (MG). Ao final da viagem uma rápida passagem pela cidade paulista vizinha de Lavrinhas outro local de combates na Frente Norte do bravo Exército Constitucionalista.

O TÚNEL E SEU PAPEL NA REVOLUÇÃO DE 32

O túnel da Mantiqueira é um túnel ferroviário localizado na divisa de São Paulo e Minas Gerais. Oficialmente inaugurado em 1883 pelo Imperador Dom Pedro II, sua construção foi iniciada em 1882 e levou 7 meses para ser concluída. Com 975 metros de comprimento, escavados em rocha sólida, chegou a ser considerado o segundo maior túnel da América Latina. Por imposição dos ingleses, para sua construção não se usou mão-de-obra escrava e os negros empregados, já libertos ou alforriados, trabalhavam mediante percebimento de salário.

O túnel se localiza entre as cidades de Cruzeiro/SP Passa Quatro/MG e por seus trilhos não trafegam mais composições ferroviárias desde a década de 80. Encontra-se, portanto, abandonado. 

A cidade de Cruzeiro, por ser ponto de entroncamento de duas importantes redes ferroviárias (Rede Sul Mineira e Central do Brasil), ocupava posição estratégica em 1932, transformando-se em local de convergência de tropas sublevadas na região do Vale do Paraíba, vindas de todo o estado e que fizeram parte da 2ª Divisão de Infantaria em Operações (DIO), sob o comando do Coronel Euclydes Figueiredo. 

Já em 10 de julho de 1932, ou seja, no dia seguinte ao início do levante, tropas paulistas do 5º Regimento de Infantaria de Campinas sob o comando do major Henrique Quintiliano ocuparam o túnel. Ocuparam ainda as estações próximas de Perequê (do lado paulista), Túnel, Manacá e Passa Quatro (do lado mineiro) permanecendo estas sob manso domínio paulista até 15 de julho. Neste dia chegam à Passa Quatro soldados do Exército do 4º Regimento de Cavalaria Divisionária de Três Corações e do 10º Regimento de Infantaria de Juiz de Fora comandados pelo tenente-coronel Eurico Gaspar Dutra (que entre 1946 e 1950 governaria o Brasil). Os soldados paulistas que estavam na estação se aproximam dos mineiros com o intuito de com eles confraternizarem (desconheciam que Minas Gerais não havia aderido à Revolução) e são recebidos a balas!

Aquelas que seriam apenas as primeiras das dezenas de milhares que foram disparadas por ambos os lados durante os 59 dias de combates na área do túnel.

O comando das forças ditatoriais acreditava que venceria a resistência paulista com facilidade e que em dois dias estaria entrando em Cruzeiro com suas tropas. Não contava com a resistência e a tenacidade dos soldados paulistas que ao longo da luta foram reforçados por tropas do 2º Grupo de Artilharia Pesada (comandados pelo famoso capitão Arci), de batalhões patrióticos (compostos por voluntários) como Batalhão Bahia, Corpo de Bombeiros e do 2º Batalhão de Caçadores Paulistas da Força Pública de São Paulo (comandado até 26 de julho pelo tenente-coronel Herculano de Carvalho). As tropas ditatoriais seriam posteriormente reforçadas por grande contingente da Força Pública de Minas Gerais comandadas pelos coronéis Edmundo Lery e Franciso Bueno Brandão.

Os paulistas, senhores do túnel no início da campanha, foram aos poucos perdendo posições no terreno para as tropas ditatoriais em maior número e mais bem armadas. Logo nos primeiros dias de combates os paulistas deixam o lado mineiro do túnel. Nos seguintes perdem posições estratégicas importantes nos morros próximos ao túnel como os Picos do Cristal, Itaguaré e Garupa no flanco esquerdo e os Picos da Gomeira e Gomeirinha no flanco direito.

Ainda assim as tropas paulistas resistiam bravamente aos ataques ditatoriais. Grandes eram as dificuldades enfrentadas pelos soldados constitucionalistas em especial quanto a continua redução do estoque de munições, alimentação e substituição dos soldados em combate por tropa de reserva.

Em 12 de setembro, durante a noite e sob fogo de cobertura de artilharia, os paulistas são obrigados a abandonar o túnel. Teriam condições de resistir por mais alguns dias, porém as tropas getulistas estavam às portas de Cruzeiro, pelo eixo Rio-São Paulo, o que comprometia a retaguarda constitucionalista. Pela manhã do dia seguinte os ditatoriais finalmente ocupam o túnel da Mantiqueira. Às quatro horas da manhã do dia 14 o coronel Edmundo Lery entra em Cruzeiro onde se encontra com as tropas do general ditatorial Daltro Filho vindas de Lavrinhas.

As tropas paulistas, seguindo ordem do coronel Figueiredo, fazem grande retraimento para a cidade de Guaratinguetá onde se encontrava a última linha de defesa paulista no Vale do Paraíba em 2 de outubro, data da cessação das hostilidades entre constitucionalistas e ditatoriais.  

Segundo o livro Cruzes Paulistas, de 1936, dos pouco mais de 600 paulistas mortos durante a Revolução de 1932, 66 perderam a vida no túnel da Mantiqueira. Dentre os soldados getulistas não há um número oficial, mas acredita-se que, só no túnel, tenham morrido entre 200 e 400 homens. Estima-se ainda que mais de 200 corpos estejam enterrados nas cercanias do túnel. Nenhum deles identificado até hoje. Bravos soldados desconhecidos que tingiram de vermelho as matas e os morros da Serra da Mantiqueira na defesa de um ideal.

Que descansem em paz...


Mapa da região do Túnel da Mantiqueira (localização aproximada em vermelho)

Soldados constitucionalistas na extremidade paulista do túnel em 1932




Soldados Paulistas entrincheirados no túnel

Local próximo à extremidade paulista do túnel sob ataque inimigo em 32


A caminho do túnel 83 anos depois
Extremidade paulista do túnel atualmente


Caminhando pelo túnel

Pelo caminho pedras indicando local de sepultamento de soldados desconhecidos


Extremidade mineira do túnel



Monumento em homenagem aos paulistas mortos em combate




Referências Bibliográficas

PINHO, Celso Luiz. 1932 - O TÚNEL DA DISCÓRDIA. Editora Gregory: São Paulo, 2012

NOGUEIRA FILHO, Paulo. A GUERRA CÍVICA 1932. Resumo da obra em 6 tomos por Paulo Ferraz do Amaral. Sociedade Veteranos de 32, 1982


O TERRÍVEL TREM BLINDADO



Das armas usadas pelos paulistas durante a Revolução de 32 talvez a mais impressionante tenha sido o Trem Blindado (TB). Seis deles operaram durante a Revolução nas frentes Sul, Leste ou Mineira e Norte (Vale do Paraíba).

Segundo o Coronel Euclydes Figueiredo, comandante das tropas paulistas no Vale do Paraíba, o trem foi “um valioso engenho de guerra criado pelos engenheiros ferroviários paulistas. Compunham-no dois carros-bagagem da E.F. Paulista, tendo de permeio uma locomotiva. Esses três elementos, separadamente eram envoltos por uma couraça, constituída de duplas chapas de aço com pranchões de madeira ao centro. Num dos carros abriam-se seteiras para metralhadoras pesadas e fuzis-metralhadoras e para observação dos tiros; no outro, o da frente, havia, além disso, dispositivo para colocação de uma peça 75. Iluminavam-lhe o caminho sobre o leito da estrada de ferro dois possantes projetores, que também serviam para clarear o campo de tiro de suas armas[1]

Coronel Euclydes Figueiredo

Apelidado pelos soldados ditatoriais de o “Fantasma da Morte”, este primoroso fruto da inventividade paulista levava o pânico às linhas inimigas. Seus holofotes (projetores) durante a noite iluminavam as trincheiras do adversário clareando os alvos para suas armas causando pesadas baixas aos ditatoriais.

Equívocos, como em qualquer guerra, aconteceram e nosso trem blindado atacou com precisão não apenas as trincheiras inimigas, mas também as paulistas! Verdadeiras ocorrências de “fogo amigo” verificadas em mais de uma ocasião e em  diferentes setores de combate. Paulo Duarte, oficial voluntário e ex-comandante de trem blindado, narra uma dessas ocorrências na região da divisa com o Rio de Janeiro: “Acordou-nos o Barbieri, anunciando a chegada dos mortos. ‘Que mortos?’ ‘Pois esta noite o trem blindado matou uma trincheira inteirinha nossa!’ Corremos à estação. Sobre uma gôndola recém- chegada, oito feridos. Dois em coma. Uns gemiam, outros sofriam em silêncio. Soldados em torno assistindo a remoção para uma ambulância. ‘Está vendo, seu capitão! Em vez de acabar com o inimigo, acaba com os nossos.’ ‘Como?’ interroguei de cara fechada. ‘O blindado que fez esse estrago![2]

Paulo Duarte - Fonte:unicamp.br/cedae



Trem Blindado que operou no Setor Sul - Estrada de Ferro Sorocabana





[1] FIGUEIREDO, Euclydes. CONTRIBUIÇÃO PARA A HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932, p.195. Livraria Martins Editora, 1981.
[2] DUARTE, Paulo. PALMARES PELO AVESSO, p.56. Instituto Progresso Editorial, 1947.