VISITA AO TÚNEL DA MANTIQUEIRA
“Eu
estive no Túnel e vi o soldado lutando. E o soldado não me viu porque estava
lutando. Estava integralmente lutando...” (Carlos Drummond de Andrade, 1932)
No
último dia 8 de agosto tive finalmente a oportunidade de conhecer o famoso
túnel palco dos mais famosos combates da Revolução de 32.
Na
companhia do professor e guia local Carlos Henrique do Nascimento caminhei por
algumas horas pelas imediações do túnel entre os municípios de Cruzeiro (SP) e
Passa Quatro (MG). Ao final da viagem uma rápida passagem pela cidade paulista
vizinha de Lavrinhas outro local de combates na Frente Norte do bravo Exército
Constitucionalista.
O TÚNEL E SEU PAPEL NA REVOLUÇÃO DE 32
O túnel da Mantiqueira é um
túnel ferroviário localizado na divisa de São Paulo e Minas Gerais.
Oficialmente inaugurado em 1883 pelo Imperador Dom Pedro II, sua construção foi
iniciada em 1882 e levou 7 meses para ser concluída. Com 975 metros de
comprimento, escavados em rocha sólida, chegou a ser considerado o segundo
maior túnel da América Latina. Por imposição dos ingleses, para sua construção
não se usou mão-de-obra escrava e os negros empregados, já libertos ou
alforriados, trabalhavam mediante percebimento de salário.
O túnel se localiza entre as
cidades de Cruzeiro/SP Passa Quatro/MG e por seus trilhos não trafegam mais
composições ferroviárias desde a década de 80. Encontra-se, portanto,
abandonado.
A cidade de Cruzeiro, por
ser ponto de entroncamento de duas importantes redes ferroviárias (Rede Sul
Mineira e Central do Brasil), ocupava posição estratégica em 1932,
transformando-se em local de convergência de tropas sublevadas na região do
Vale do Paraíba, vindas de todo o estado e que fizeram parte da 2ª Divisão de
Infantaria em Operações (DIO), sob o comando do Coronel Euclydes Figueiredo.
Já em 10 de julho de 1932,
ou seja, no dia seguinte ao início do levante, tropas paulistas do 5º Regimento
de Infantaria de Campinas sob o comando do major Henrique Quintiliano ocuparam
o túnel. Ocuparam ainda as estações próximas de Perequê (do lado paulista),
Túnel, Manacá e Passa Quatro (do lado mineiro) permanecendo estas sob manso
domínio paulista até 15 de julho. Neste dia chegam à Passa Quatro soldados do
Exército do 4º Regimento de Cavalaria Divisionária de Três Corações e do 10º
Regimento de Infantaria de Juiz de Fora comandados pelo tenente-coronel Eurico
Gaspar Dutra (que entre 1946 e 1950 governaria o Brasil). Os soldados paulistas
que estavam na estação se aproximam dos mineiros com o intuito de com eles confraternizarem
(desconheciam que Minas Gerais não havia aderido à Revolução) e são recebidos a
balas!
Aquelas que seriam apenas as
primeiras das dezenas de milhares que foram disparadas por ambos os lados
durante os 59 dias de combates na área do túnel.
O comando das forças
ditatoriais acreditava que venceria a resistência paulista com facilidade e que
em dois dias estaria entrando em Cruzeiro com suas tropas. Não contava com a
resistência e a tenacidade dos soldados paulistas que ao longo da luta foram
reforçados por tropas do 2º Grupo de Artilharia Pesada (comandados pelo famoso
capitão Arci), de batalhões patrióticos (compostos por voluntários) como
Batalhão Bahia, Corpo de Bombeiros e do 2º Batalhão de Caçadores Paulistas da
Força Pública de São Paulo (comandado até 26 de julho pelo tenente-coronel
Herculano de Carvalho). As tropas ditatoriais seriam posteriormente reforçadas
por grande contingente da Força Pública de Minas Gerais comandadas pelos
coronéis Edmundo Lery e Franciso Bueno Brandão.
Os paulistas, senhores do
túnel no início da campanha, foram aos poucos perdendo posições no terreno para
as tropas ditatoriais em maior número e mais bem armadas. Logo nos primeiros
dias de combates os paulistas deixam o lado mineiro do túnel. Nos seguintes
perdem posições estratégicas importantes nos morros próximos ao túnel como os
Picos do Cristal, Itaguaré e Garupa no flanco esquerdo e os Picos da Gomeira e
Gomeirinha no flanco direito.
Ainda assim as tropas
paulistas resistiam bravamente aos ataques ditatoriais. Grandes eram as
dificuldades enfrentadas pelos soldados constitucionalistas em especial quanto
a continua redução do estoque de munições, alimentação e substituição dos
soldados em combate por tropa de reserva.
Em 12 de setembro, durante a
noite e sob fogo de cobertura de artilharia, os paulistas são obrigados a
abandonar o túnel. Teriam condições de resistir por mais alguns dias, porém as
tropas getulistas estavam às portas de Cruzeiro, pelo eixo Rio-São Paulo, o que
comprometia a retaguarda constitucionalista. Pela manhã do dia seguinte os
ditatoriais finalmente ocupam o túnel da Mantiqueira. Às quatro horas da manhã
do dia 14 o coronel Edmundo Lery entra em Cruzeiro onde se encontra com as
tropas do general ditatorial Daltro Filho vindas de Lavrinhas.
As tropas paulistas,
seguindo ordem do coronel Figueiredo, fazem grande retraimento para a cidade de
Guaratinguetá onde se encontrava a última linha de defesa paulista no Vale do
Paraíba em 2 de outubro, data da cessação das hostilidades entre
constitucionalistas e ditatoriais.
Segundo o livro Cruzes
Paulistas, de 1936, dos pouco mais de 600 paulistas mortos durante a Revolução
de 1932, 66 perderam a vida no túnel da Mantiqueira. Dentre os soldados
getulistas não há um número oficial, mas acredita-se que, só no túnel, tenham morrido entre 200 e 400 homens. Estima-se ainda que mais de 200 corpos estejam enterrados nas
cercanias do túnel. Nenhum deles identificado até hoje. Bravos soldados
desconhecidos que tingiram de vermelho as matas e os morros da Serra da Mantiqueira
na defesa de um ideal.
Que descansem em paz...
Mapa da região do Túnel da Mantiqueira (localização aproximada em vermelho) |
Soldados constitucionalistas na extremidade paulista do túnel em 1932 |
A caminho do túnel 83 anos depois |
Extremidade paulista do túnel atualmente |
Caminhando pelo túnel |
Pelo caminho pedras indicando local de sepultamento de soldados desconhecidos |
Extremidade mineira do túnel |
Monumento em homenagem aos paulistas mortos em combate |
Referências Bibliográficas
PINHO, Celso Luiz. 1932 - O
TÚNEL DA DISCÓRDIA. Editora Gregory: São Paulo, 2012
NOGUEIRA FILHO, Paulo. A
GUERRA CÍVICA 1932. Resumo da obra em 6 tomos por Paulo Ferraz do Amaral.
Sociedade Veteranos de 32, 1982